
Uma entrevista de Bill Gates ao apresentador Jimmy Fallon viralizou nas redes sociais, em que Gates afirma que a inteligência artificial democratizará o acesso à “inteligência” e substituirá os humanos em diversas atividades.
Em determinado momento, ele menciona “um grande médico, um grande professor” e comenta que, com a IA, isso se tornará gratuito. Não demorou muito para surgirem dezenas de artigos e reportagens anunciando o fim das carreiras de médicos e professores.
É inegável que a IA terá um impacto profundo em praticamente todas as profissões. Mas afirmar que essas profissões deixarão de existir é outra história. O próprio Bill Gates, na verdade, não diz que elas irão acabar. Ele fala em “great medical advice” e “great tutoring” — ou seja, em conselhos médicos e apoio ao aprendizado, que são apenas partes dos processos médicos e educacionais.
O exame físico e as limitações da inteligência artificial na medicina
Lido com computadores desde os anos 1980 e tive a oportunidade de acompanhar todas as grandes ondas tecnológicas das últimas quatro décadas. Mas minha formação original é em Medicina Veterinária, profissão que exerci por 20 anos, principalmente como professor de clínica médica. Venho de uma escola de clínicos tradicionais, que valorizam o chamado “exame físico”, realizado pela manipulação direta do paciente com técnicas como auscultação, inspeção, palpação e percussão.
Essa é uma etapa do atendimento médico que a IA não conseguirá substituir. Alguns dirão que a robótica pode automatizar esse processo — e, de fato, existem iniciativas nesse sentido. No entanto, na prática, isso ainda está mais próximo da ficção científica. O mesmo se aplica às cirurgias: embora existam as chamadas “cirurgias robóticas”, elas não são autônomas. Continuam exigindo a condução por médicos experientes.
O que pode ser automatizado no atendimento médico
Isso não significa que a IA não impactará a medicina. Pelo contrário. Há várias etapas que poderão ser automatizadas. É bastante plausível imaginar inteligências artificiais conduzindo a anamnese — aquela entrevista inicial em que o paciente relata suas queixas e seu histórico. T
Também não é improvável que a IA substitua as teleconsultas. A viabilidade, nesse caso, dependerá mais de regulamentações (como a responsabilidade por eventuais erros) do que da tecnologia em si. Além disso, a IA poderá interpretar exames e sugerir terapias, entre outras funções.
Educação: interação humana além da tecnologia
Na educação, o raciocínio é semelhante. Não consigo imaginar um cenário em que robôs substituam a interação entre professores e alunos, especialmente na educação básica. O ensino presencial para crianças vai muito além da transmissão de conhecimento. Ele envolve convivência social, empatia, construção de vínculos e desenvolvimento de habilidades emocionais. Já na educação de adultos há mais espaço para automação, especialmente na modalidade a distância — que cresce não apenas nas universidades, mas também na educação corporativa. Ainda assim, momentos presenciais continuarão sendo importantes. As pessoas vão seguir participando de congressos, workshops e assistindo palestras com humanos.
O peso das tarefas administrativas e o apoio da IA aos professores
Assim como na medicina, há muitas etapas do trabalho docente que podem ser automatizadas com o uso da IA. Quem é professor sabe o tempo que se gasta participando de reuniões, preparando aulas e corrigindo provas. São atividades fundamentais, mas que consomem tempo e energia, muitas vezes afastando o professor daquilo que mais importa: o contato com os alunos. Nesses casos, a IA poderá reduzir significativamente o peso das tarefas administrativas — muitas vezes vistas como cansativas e burocráticas.
A necessidade de uma nova geração fluente em tecnologia e conhecimento humano
Estamos, portanto, longe de um cenário em que robôs substituam os humanos em funções que envolvem interação direta com pacientes ou estudantes. Mesmo que fosse possível construir tais robôs, eles seriam caros, difíceis de manter e com baixa escalabilidade. Já os processos intelectuais e burocráticos estão mais próximos de serem aprimorados — ou até substituídos — pela IA.
Mas esse avanço será gradual, porque depende da capacidade de integrar o conhecimento médico e pedagógico com o domínio da tecnologia. Ou seja, mais do que programadores, serão necessários médicos e professores com fluência nos dois mundos. Precisaremos formar uma nova geração de profissionais capazes de atuar nessa fronteira.